quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A História do DEOEsp

A História do DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais


Em meados de 1980 o Brasil começou a presenciar o surgimento de um crime que teve raízes ideológicas com os presos políticos. Estes quando encarcerados na Ilha Grande no Rio de janeiro junto com os presos comuns lhes passaram noções de planejamento de crimes como a extorsão mediante seqüestro.

Em 1986 com o aparecimento deste tipo de crime em nossas montanhas, um Delegado visionário teve a chance e a oportunidade de criar um grupo que combatesse este tipo de crime com eficiência, já que na época pouco se conhecia sobre as investigações do “seqüestro”. Foi através do Delegado Miguel Bechara que com seu empreendedorismo, criou o GAS – Grupo Anti-Sequestro. Entendendo que este crime seria por muito tempo utilizado pelos criminosos que pulavam de uma modalidade a outra e viram na extorsão mediante seqüestro uma oportunidade única de amealhar uma grande quantia em pouco tempo, sem o perigo de se ver às voltas em um tiroteio com o vigilante do banco ou com a polícia nas ruas.

Criou-se assim o GAS – Grupo Anti-Sequestro – onde foram selecionados diversos policiais civis os quais passaram por treinamentos rigorosos antes de começar a atuar. Ao mesmo tempo, conseguiu o nobre Delegado adquirir diversos armamentos da linha HK, um dos mais sofisticados entre todas as armas produzidas no mundo.

Ao mesmo tempo com o fim da ditadura e a volta ao Estado Democrático de Direito, o antigo DOPS – Departamento de Ordem Política e Social – voltado exclusivamente para o combate a subversão, torna-se o DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais. Em 1991 toma posse como seu Diretor o Dr. João Reis tendo o GAS – Grupo Anti-Sequestro vindo a cingir-se numa só unidade operacional. Com os conhecimentos já adquiridos pela primeira turma de anti-sequestro e com o acréscimo de outros policiais experientes na área de investigação os primeiros sucessos não demoraram a aparecer.

Diferenciando-se das demais unidades policiais, o DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais – aprimorava seus policiais com treinamentos constantes nas mais diversas áreas, principalmente buscando conhecimentos na área de telefonia. Referido aprimoramento tornou-se uma marca indelével deste departamento e os seqüestros que no início da década de 90 tinham como forma de contato entre seqüestrador e família da vítima o telefone fixo, tornou-se uma arma contra os marginais, pois os mesmos eram presos ainda falando ao telefone. Um exemplo foi o seqüestro ocorrido na cidade de Além Paraíba-MG onde uma garota foi seqüestrada e levada para o cativeiro no Rio de Janeiro. O seqüestrador utilizava os telefones públicos do centro daquela metrópole e na época a TELERJ não conseguia repassar em tempo real, ou seja, no momento em que o seqüestrador falava ao telefone em qual “orelhão” ele estaria. Num trabalho de inteligência, nossos policiais, em um esforço intenso, mapearam centenas de TPs – Telefones Públicos – naquela região. Com as fichas nas mãos, quando o seqüestrador telefonou do Arco da Lapa, o telefone foi prontamente identificado e ele foi preso instantes depois. Isto possibilitou a descoberta do cativeiro e a libertação da vítima que ficava na Baixada fluminense.

Os seqüestros ocorridos em Minas Gerais tinham uma peculiaridade já que a grande maioria era realizada por quadrilhas de São Paulo onde invariavelmente eram os cativeiros. O DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais – realmente se notabilizou por ser uma polícia que não tinha fronteiras ou locais para atuar e sempre se empenhou ao máximo no sentido de não deixar as famílias pagarem os resgates, prender os seqüestradores e retirar com vida a vítima de dentro do cativeiro. Não importava onde ocorresse este tipo de crime. Assim sendo, nossos policiais, além de exímios investigadores, deveriam também ser ótimos operadores táticos, já que o estouro de um cativeiro envolve o risco de uma troca de tiros. Com esse pensamento, os integrantes do Departamento se notabilizaram por treinar exaustivamente técnicas e táticas policiais, principalmente no que diz respeito ao resgate de reféns, e vale dizer, em toda a história desse núcleo especial da polícia, nunca houve um refém ferido ou morto em nossas ações, pois as intervenções sempre foram feitas de forma cirúrgica.

No entanto, diante de tantas vitórias tivemos uma derrota que marcou negativamente, apesar da prisão dos seqüestradores. Foi o seqüestro e morte da garotinha Míriam Brandão ocorrida em Belo Horizonte. Seqüestrada em um dia no outro já estava morta. Foi barbaramente assassinada por um dos irmãos que haviam planejado o crime, William, quando seu corpo desfalecido por alguma substância entorpecente que lhe foi aplicada no rosto, colocada em uma chapa e seu corpo destruído com fogo e posteriormente enterrado ao pé de uma bananeira de onde foram resgatados apenas pequenos ossos, impossibilitando inclusive a feitura do laudo através do DNA. Mesmo assim os seqüestradores continuaram a pedir o resgate e logo após os mesmos foram presos.

Outro seqüestro que tomou conta do noticiário nacional foi o de um empresário na região de Pouso Alegre-MG que foi levado para cidade de Governador Valadares-MG onde ficou por vários dias no cativeiro. A família no início, com receio de avisar a polícia tentou negociar sozinha, mas vendo a impossibilidade de continuar sem o apoio policial alguns dias depois acabou avisando ao DEOEsp. A equipe dirigiu-se para aquela região de Pouso Alegre e dois dias depois quando do pagamento do resgate prendemos dois dos seqüestradores, tendo um conseguido fugir na troca de tiros. No pagamento do resgate este signatário se passando por um dos familiares do seqüestrado foi entregar o dinheiro sendo monitorado constantemente pela sua equipe de policiais que o seguiam a distancia. No local combinado o dinheiro foi deixado e os policiais fizeram o cerco. Assim foi possibilitada a prisão dos seqüestradores e a libertação da vítima que se encontrava no cativeiro em Governador Valadares – MG. Para nossa surpresa, quando a foto de um deles foi divulgada pela imprensa, a Polícia Civil de Campinas-SP reconheceu o seqüestrador que havia se apresentado com uma identidade falsa e fugido recentemente de uma cadeia paulista. Era nada mais nada menos do que o ex-médico cirurgião plástico Hosmany Ramos. Nesta oportunidade este seqüestrador levou um tiro na perna de calibre .556 ao reagir a prisão no pagamento do resgate.

Em 1993 na cidade de Patrocínio-MG, dois amigos foram seqüestrados quando chegavam à casa de um deles para almoçar. Levados para o cativeiro iniciou-se o martírio para a família com ameaças sem fim. As duas vítimas chegaram inclusive a cavar uma sepultura no local onde estavam e isto foi dito em uma fita K7 e mandado para a família. O desespero tomou conta dos pais. Foi um dos mais longos seqüestros ocorridos em Minas Gerais, demorando mais de 30 dias para a sua resolução. Até que finalmente, diante de várias investigações efetuadas surgiu uma notícia de que um corretor de café de Londrina-PR teria sido visto em Araguari-MG na mesma semana do apoderamento dos rapazes e que ele já teria problemas naquele estado exatamente por envolvimento em seqüestros. Uma equipe seguiu então para a cidade de Londrina-PR para tentar localizar referida pessoa sendo expedido contra o mesmo um mandado de prisão temporária. Procurada a Polícia Civil daquela cidade obtivemos algumas informações e inclusive um provável endereço residencial. Fizemos “campana” durante dois dias e logramos êxito em sua localização e conseqüente prisão. Retornando imediatamente para a cidade de Patrocínio este nos deu a localização do cativeiro que ficava na cidade de Ipameri-GO.

Para lá nos dirigimos já de madrugada e tomando um lanche num trailer conseguimos identificar, pelas fotos, mais um dos integrantes da quadrilha. Como já tínhamos a informação de que os seqüestradores utilizavam também um Fusca branco, para fazer compras na cidade, ficamos atentos a um possível encontro deste veículo. E no momento em que nos dirigíamos para o local do cativeiro vimos um Fusca branco parado no acostamento da rodovia com um casal namorando do lado de fora. Desconfiado de que poderia ser o mesmo carro dos seqüestradores, passamos direto com o comboio dos policiais e ao sumirmos em uma curva, apenas um carro retornou e conseguiu efetuar a prisão de mais um seqüestrador. O cativeiro ficava em uma fazenda que foi cercada, feito o adentramento e a prisão de mais dois seqüestradores, sendo que um deles reagiu a prisão, exatamente o que estava vigiando os dois rapazes acorrentados na cama, tendo sido morto no local. Os dois seqüestradores portavam dois fuzis AR-15, além de outros armamentos.

Em 2001 um adolescente é seqüestrado na cidade de Três Corações – MG e o DEOEsp acionado imediatamente. Depois de alguns dias de investigação e tortura da família por parte dos seqüestradores, já que eles mandaram um vídeo de prova de vida onde faziam inúmeras ameaças e apontando um fuzil AK-47 para a cabeça do garoto, conseguimos algumas informações. De posse da fotografia de um dos infratores tomamos conhecimento de um encontro que ele teria no Shopping Tatuapé. Um policial nosso de nome Vinícius, no meio da multidão, isto por volta das 19:00 hs, o reconhece e efetua a sua prisão. Descobrimos então o local do cativeiro na cidade de Arujá - SP onde conseguimos adentrar o cativeiro, prender uma seqüestradora e libertar o garoto que estava acomodado no quarto de uma casa, em um colchonete e acorrentado pelos tornozelos. Os outros “soldados” do cativeiro, ao visualizar a equipe, preferiram fugir à enfrentar os policiais. A vítima fazia as suas necessidades em uma lata que ficava ao seu lado. O vídeo acima mencionado foi feito exatamente neste local. Alívio para a família. Mais um momento de prazer para os policiais, principalmente no momento em que entregam o ente querido aos seus pais. Os policiais invariavelmente se emocionam chegando as lágrimas.

Novamente no sul de Minas ocorre mais um seqüestro, agora em Paraisópolis - MG onde um empresário já idoso é levado quando chegava a seu sítio. O DEOEsp é acionado imediatamente e começam as investigações sendo que o Delegado local já conseguira através de testemunhas levantar a foto de um dos seqüestradores conhecido na região de São José dos Campos – SP. A dificuldade seria em localizá-lo até que conseguimos levantar seu endereço na cidade de Caçapava – SP. A partir daí são intensificadas as investigações até que finalmente conseguimos a prisão de um deles e a descoberta do local do cativeiro. Estava este localizado na cidade de Caraguatatuba, litoral paulista. Tratava-se de um imóvel que ficava nos fundos do terreno e na frente um muro alto de alvenaria com um portão de madeira. Como haveria dificuldades em escalar o muro sem sermos visualizados, resolvemos fazer o adentramento jogando a traseira de uma camioneta S-10 contra o portão que abria para dentro. Isto foi realmente feito e o portão abriu com um estrondo pegando os seqüestradores que ali estavam no quintal de surpresa. Para nosso espanto, encontramos os três seqüestradores e suas respectivas esposas e filhos no local. Os filhos tinham idade de 02 a 04 anos num total de três, sendo que instantes antes do arrombamento do portão eles brincavam no quintal atrás do portão. Por pouco os mesmos não eram atropelados pela camioneta. Houve uma tentativa de reação mas foram prontamente dominados e a vítima extremamente assustada resgatada com vida sã e salva.

O episódio mais marcante do DEOEsp no entanto foi quando ocorreu o seqüestro de um casal na cidade de Divinópolis – MG no final de 1996. Depois de dias e dias de investigação não conseguimos nenhuma apuração e as famílias optaram pelo pagamento do resgate. A família foi orientada a dirigir-se a cidade de Taubaté – SP e aguardar contato. Depois de certo tempo a pessoa da família das vítimas encarregada de levar o dinheiro do pagamento do resgate recebeu uma ligação pelo celular e começou-se a fazer o que se chama de “caça ao tesouro”. Ela foi levada a vários lugares até que transitando pela Via Dutra, em frente a cidade de Taubaté – SP, embaixo de uma passarela ela foi orientada a parar o veículo, descer e andar em direção a traseira do veículo. Neste momento um seqüestrador saiu do meio do mato, pegou a sacola com o dinheiro e atravessou a Via Dutra. Este policial que escreve estas notas se encontrava deitado no banco traseiro tentou fazer contato com os companheiros que estavam pertos, mas como não conseguiu, resolveu prender este seqüestrador. Quando saiu do carro recebeu uma rajada de tiros sendo atingido quase mortalmente, caindo ao solo com o braço esquerdo quebrado e as duas pernas atingidas, além de um tiro que lhe atravessou o tórax. Um dos seqüestradores estava posicionado numa passarela próxima ao local do pagamento do resgate, portando um fuzil AK 47 sob um tripé improvisado, tendo uma visão privilegiada. O outro policial que estava dirigindo o veículo também foi atingido em menores proporções. Os seqüestradores conseguiram efetuar a fuga, mas foram identificados e iniciou assim uma perseguição a todos os envolvidos. Logo após os dois reféns foram soltos e mais tarde alguns dos autores do crime foram presos. A sacola que o seqüestrador levou não continha dinheiro, mas apenas papéis. Este que vos escreve ficou internado durante quase 60 dias no CTI lutando contra a morte em coma induzido, mas conseguiu sobreviver e algum tempo depois voltava a labuta diária com as seqüelas que ficaram, uma certa dificuldade de locomoção.

Em 2003 com a nova política de segurança pública implantada pelo Governador Aécio Neves, várias modificações acabaram sendo feitas e em 2007 o DEOEsp assume novas e diferentes funções, voltadas mais ao combate ao crime organizado, sendo em 2008 extinto o referido departamento. Cria-se o DEPATRI – Departamento de Investigações de Crimes Contra o Patrimônio- onde são absorvidas as unidades especializadas de repressão aos crimes contra o patrimônio e a Divisão Anti-Sequestro, permanecendo o nome DEOESP agora como Divisão Especializada de Operações Especiais. Nessa nova formatação, o DEOESP tem a função de combater principalmente roubos a bancos e de cargas, extorsões mediante seqüestros, além, como já foi dito, insistir para que nenhuma organização criminosa se instale em nossas Minas Gerais.

Elson Matos da Costa
Delegado Geral de Polícia
Chefe da Divisão Anti-Sequestro
Chefe do DEOEsp – Departamento Estadual de Operações Especiais
Superintendente Geral de Polícia Civil

2 comentários:

  1. Parabéns pelo trabalho. É mais uma vitória na incansável batalha pela causa pública. Somente uma pessoa com tamanha competência poderia nos proporcionar este importante material, que, com certeza, é fruto de toda uma carreira policial caracterizada pelo sucesso. Já tive a felicidade de ler alguns artigos e os recebi como excelente ferramenta de pesquisa. Quem o conhece Dr. Elson, sabe que este trabalho descreve uma realidade em potencial. A história do DEOEsp será eternizada em nossas vidas. Por qualquer decepção que a vida ainda possa nos trazer, nada ofuscará o brilho da "família DEOEsp", que formamos com compromisso e lealdade. Um forte abraço.
    Eber Alexandre
    Agente de Polícia / DEOEsp

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  2. É gratificante poder ler e saber da veracidade dessas histórias contadas por um líder e exemplo de profissional da Segurança Pública de Minas Gerais. Dr. Elson é um exemplo e espelho para todos nós que tivemos a honra de ombrear ao seu lado. Tive o privilégio de poder trabalhar e aprender conhecimentos com o Dr. Elson. Que Deus Pai Todo Poderoso continue abençoando e iluminando o caminho de todos nós que, em outrora construimos um grande e abençoada família no DEOESP. Dr. Elson, receba a minha sincera continência e total respeito, hoje e sempre. NUNCA ACABA!
    Rocha/PCMG

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