segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Aspectos do trabalho Policial

Aspectos do trabalho policial

BITTNER, Egon. Aspectos do trabalho policial. Tradução de Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003 – Cap. 4. As Funções da Polícia na Sociedade Moderna.
Aderivaldo Martins Cardoso*

A identidade da função policial é reconhecida quando nos focamos no trabalho policial. Seria muito limitado de nossa parte focarmos esse trabalho apenas na coação física. Desde a criação da polícia moderna alicerçada no modelo inglês, na metade do século XIX, suas atribuições sofreram alterações profundas que vão do mecanismo estatal do controle de manifestações públicas à atual tentativa em se construir um modelo de polícia comunitária.
Egon Bittner autor do livro Aspectos do Trabalho Policial procura em seu trabalho dar enfoque sobre as diferentes maneiras de se atuar como um policial na sociedade contemporânea. Essa obra nos auxilia na compreensão das alterações pelas quais têm passado o trabalho da polícia. Seu estudo é focado na polícia norte-americana, mas o autor recorre várias vezes a citações sobre os modelos da polícia inglesa e a irlandesa. Bittner procura alicerçar as bases da sociologia somada aos estudos de outros autores, como Eric MonKKonen, Jean-Claude Monet e Herman Goldstein, além de criminólogos como Edwin Sutherland.
É interessante a abordagem inicial do capítulo 4 onde o autor nos remete ao passado das polícias fazendo um diagnóstico sobre a visão e o pensamento da população sobre essas forças policiais. Ele afirma que um ponto dominante do pensamento coletivo é que o policial “é um indivíduo que, de modo ambivalente, é temido e admirado, e não há trabalho de relações públicas que consiga abolir inteiramente o sentimento de que existe algo dragão no exterminador de drogões”. A atividade policial ainda é questionada sobre os seus verdadeiros interesses onde o autor diz que “o interesse deles e a competência para lidar com as adversidades envolvem suas atividades em mistério e desconfiança”. Essa desconfiança pode ser em decorrência de que “o trabalho policial é uma ocupação com baixa remuneração, cujas exigências podem ser cumpridas por homens que receberam pouca educação formal”.
Bittner traz uma interessante discussão sobre como a sociedade representa a polícia e o que essa instituição faz para atender os anseios da primeira. Para ele a polícia pode ser vista como uma força corrupta, entretanto, também é encarada como a opção mais recorrente para sanar diferentes conflitos na sociedade. Há nesse paradoxo uma adequação do tratamento que a polícia oferece ao cidadão.
Mesmo sendo mal vista pela sociedade a polícia não tem se preocupado em desencorajar essas atitudes públicas desfavoráveis ou mudar o quadro atual. Segundo o autor “o sentimento de não contar com a simpatia de um largo segmento da sociedade a tem levado a adotar uma posição petulante e faz com que policiais cortejem apoios que, ironicamente, não passam de insultos”.
Além desses problemas com a sociedade a polícia ainda se perde ao “achar” que todos estão a todo o momento “tramando alguma coisa”. O trabalho policial limita-se apenas a “controlar o crime e manter a ordem” não se preocupando com os outros problemas que envolvem a situação, seja a desigualdade social e econômica ou a criminalidade e desgoverno. O controle policial nessas áreas ocorre devido ao conhecimento que os habitantes têm de seus habitantes, obviamente está inserido nesse conhecimento o estereótipo apontado pelas representações que a polícia faz dos tipos sociais.
Após a argumentação inicial Bittner discorre sobre o cenário cultural, os tribunais e a polícia, sobre esse assunto ele afirma que “os policiais não apenas exercem a liberdade discricionária ao executarem seus mandatos legais, mas fazem isso, muito mais, como apenas uma parte incidental de suas responsabilidades mais gerais”. Ele indica que o poder discricionário da polícia na manutenção da paz permite uma série de maleabilidades, como a opção em prender ou não um indivíduo.
Atualmente a polícia tem se preocupado em quebrar esse paradigma aproximando-se da sociedade, essa modificação no seu modo de agir é conseqüência de uma necessidade da polícia se aperfeiçoar, criando mecanismos especificados que não a subordinem demais ao sistema jurídico e a aprimorando a formação de seus integrantes. Tudo isso é reflexo de uma cobrança da sociedade que se torna cada vez mais exigente.
Algumas experiências foram implementadas ao longo do tempo com o objetivo de aproximar polícia e sociedade, elas surgem inicialmente como um tipo de relações públicas que comprovou o isolamento da polícia em relação à comunidade. A polícia sempre funcionou a parte do sistema judiciário, dificultando ainda mais a relação entre crime e justiça.
Durante todo o estudo o autor defendeu uma maior qualificação profissional dos policiais alegando que é necessário uma mudança no trato com a população por isso é importante o contato com as universidades, pois ela proporciona o exercício da razão crítica. Segundo o autor não se pode confiar a um trabalhador desqualificado a segurança da população, pois esses homens cujo poder (e dever) tem por obrigação tomar decisões que afetam permanentemente o bem-estar, a prosperidade, e até mesmo a própria existência dos cidadãos.
È preciso que as forças policiais resgatem a legitimidade perdida, pois “a confiança do público que autoriza e restringe as práticas policiais pode ser simplesmente declarada”. A necessidade de qualificação é primordial, pois pode transformar os policiais em profissionais mais “neutros”. Para esse autor “uma sociedade compromissada com a realização da paz através de meios pacíficos criou uma instituição com o monopólio de empregar a força coercitiva não negociável em situações em que seu uso é indubitavelmente necessário”.
O capitulo é revestido de conceitos humanistas que hoje é refletido na sociedade e difundido nas academias de polícia. Fala-se em humanidade e polidez no trato com o público, discute-se o poder discricionário no agir do policial. Ele aponta outras funções da polícia que não seja somente a de mero policiamento e repressão ao crime.
O texto é claro e apresenta situações concretas sobre atuação policial. Há uma grande quantidade de notas explicativas, mas sem ocupar muito espaço do texto. As suas referências bibliográficas são claras e objetivas. O seu trabalho permite uma analogia com a situação brasileira, uma vez que os desafios são semelhantes. Bittner sugere que o policial atual deve ser “um profissional informado, decidido, e tecnicamente eficiente, que sabe como deve operar nos limites estabelecidos pela moral e pela confiança na legalidade”. Seu trabalho defende um aprimoramento do trabalho policial, “constando como carreira acadêmica, com produção científica própria e disciplinas de formação humanísticas”. É um grito em defesa da qualificação profissional não somente nos Estados Unidos e uma obra instrumental que defende uma valorização da profissão que não conta com a devida valorização, dada a sua importância no cotidiano das pessoas.
* Aluno do Curso de Especialização em Segurança Pública e Cidadania

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