segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Abordagem Policial Tática

ABORDAGEM POLICIAL TÁTICA
JUIZ RONALDO PINHEIRO ROCHAMestre em Direito PúblicoProfessor de Direito de Segurança Pública
UNIDADE I
DA FILOSOFIA DE ABORDAGEM:
Numa perspectiva jus-filosófica, inicialmente procuraremos considerar a abordagem policial pelo prisma indagativo, no afã de descobrir-lhe a sua essência, sua substância, para, caracterizando-lhe a natureza jurídica, passar então à discussão da sua valoração social, pela importância que se lhe atribui, em decorrência da relação factual.
Tomando-se, pois, aprioristicamente a abordagem, pelo seu fundamento intrínseco e incursionando no campo crítico da sua legitimidade, sentir-nos-emos mais confortáveis para procedermos à análise científica, embora sucinta, do tema, à luz do Direito de Segurança Pública.
Para o fim colimado da visão jurídico-ontológica, parece-nos totalmente inútil, se não for completamente extravagante à presente proposta, o desenvolvimento conceitual da abordagem, com relação à atividade legalmente vinculada, derivada de situações casuísticas, eis que essas hipóteses pertencem ao domínio das decisões policiais-administrativas, transcendentais portanto às lindes do Direito-ser-cognoscível, embora guardem, as duas áreas, conexidade, nos seus efeitos.
Dúvidas não há de que a atividade policial evidencia à sociedade significativa parcela de poder e a abordagem, como espécie do gênero atos de império, não foge à regra.
Assim, passamos a considerá-la: abordagem como procedimento dotado de poder e integrado no contexto fenomênico da polícia.
Todavia, sobre o exercício do poder em tese, descortina-se a dicotomia, segundo a qual o poder se expressa ora como autônomo, desvinculado de relações sociais, cuja prática se exercita pela simples manifestação individual volitiva, como é o caso do direito de locomoção;ora o poder é cristalizado na tecitura social, enfocado pela relação jurídica de direito material, imposição ‘versus’ sujeição, a exemplo da suspensão provisória do direito de locomoção, em face do rito seletivo, imposto na abordagem.
Posto isto, deduzimos que a abordagem, quando se expressa como atividade estatal, possui a natureza jurídica de dever vinculado ao poder, de um dever-poder ou simplesmente de um dever potestativo.
Não se afirme, por outro lado, ser a abordagem exercício exclusivo da Administração Pública, conforme parece fazer crer.
A simples leitura do artigo 301 do Código de Processo Penal revela-nos o alcance difuso desta atividade, no sentido de que qualquer do povo poderá prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito e a prisão pressupõe abordagem, por óbvio, e mais, este entendimento legiferante já está devidamente consolidado em nossa Carta de 1988, em seu artigo 144,quando declara textualmente ser a segurança pública responsabilidade de todos.
Na esteira desta última consideração e por mero preciosismo jurídico suplementar, o poder exercido por qualquer do povo é interpretado não como dever potestativo, mas como direito potestativo, uma vez que não se lhe impõe carga obrigacional de ordem pública, restando ao alter, na relação jurídica, a mesma sujeição ou submissão daquela praticada na função policial.
Eis aí então o poder de relação a evidenciar-se como provável essência da abordagem, numa visão ontognoseológica.
Já na apreciação valorativa deste instituto jurídico da segurança pública, a abordagem não mais é vista como substância, mas apreciada na relação intersubjetiva, recepcionando plenamente o motivo administrativo, para vincula-lo como ato de polícia.
A filosofia jurídica busca, nos diferentes fatos conexos, estabelecer suas relações.
Se se encontram agentes do Estado promovendo barreiras policiais com vistas à abordagem e, de outro lado, situam-se transeuntes suspeitos de cometimentos delitivos, têm-se dois fatos conexos, que se relacionarão inevitavelmente. Mas, a suspeição há de vir acompanhada de motivo juridicamente aceitável, conforme aqui trataremos.
Para o Estado-abordante, sob o prisma equivocado da conveniência e oportunidade, haveria um valor em tese, fundado nos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. Todavia, este valor inexiste, uma vez que o ato de polícia só subsiste quando vinculado, sendo a discricionariedade aí expressa como autêntico arbítrio inaceitável.
De outro lado, situam-se pessoas que, sendo abordadas, se sentirão no mínimo desconfortáveis, pela desconfiança que lhes foi lançada, por pretensa imputação criminosa, passando, por conseguinte, a expressar a abordagem para elas um desvalor ou um valor negativo. Para muitos outros transeunte-assistentes do fato, não incomodados pelo procedimento policial e fulcrados no senso comum, a abordagem pode ser vista como valor necessário; com reprovação, pela sua inutilidade, mercê do juízo subjetivo da pessoa que assiste ou com indiferença total, um tanto faz.
Daí, a relatividade axiológica da relação de abordagem, observada pela sociedade.
Para o Estado-abordante, quando desestruturado do seu fundamento legal, pode constituir pesado ônus para os seus agentes arbitrários e conseqüente desmoralização para o Poder Público.
Ao revés, consoante já vimos em linhas volvidas, institutos jurídicos outros existem, que se expressam fora da relação factual, como autônomos e já aqui exemplificados, na hipótese do direito de locomoção. A liberdade, em nível de direito-poder, é outro exemplo de expressão individual, fora de qualquer relação. Por isso mesmo, tais direitos em trânsito são definidos como absolutos, embora possam ser mitigados diante de episódios circunstanciais da abordagem.
Retornando, portanto à relatividade valorativa da sociedade aos comandos policiais de abordagem, não se poderia entendê-la pelo seu conteúdo discriminatório ou preconceituoso, que nela se encerra? Não haveria instrumentos outros de seleção socialmente preventiva ao crime, mais eficazes do que a abordagem, uma vez que ela se mostra axiologicamente instável?
UNIDADE II
DO DIREITO DE ABORDAGEM:
Assim, poderemos caracterizar sob a ótica jurídico-científica a abordagem, conceituando-a especificamente como ato de polícia, distanciado que está dos demais atos administrativos, pelos princípios que lhe são próprios e opostos aos da Administração Pública.
Com efeito, se o ato administrativo reclama o princípio da publicidade, por decorrência normada do artigo 37 da Carta Política vigente, o ato de polícia exige o do sigilo procedimental, que se impõe também pelo comando constitucional, conforme se observa da inteligência do artigo 5º, XXXIII, ‘in fine’, por correlação.
Complementando o conceito de abordagem, o Direito de Segurança Pública identifica-a por ato de polícia, no sentido de que, possuindo carga desconstitutiva do direito de locomoção, embora transitoriamente, proceda, em razão do cometimento de crime ou da sua simples suspeita.
Num alcance mais restrito, abordagem policial é a investigação pessoal, de caráter compulsório e momentâneo, diante de crime ou de sua simples suspeita, atendendo-se às circunstâncias anormais de presunção. Estas circunstâncias anormais de presunção são marcadas pelo conjunto comportamental do investigando, indicativo da suspeição de cometimento de algum ilícito. Elas revelam-se, por exemplo, pelo olhar furtivo, pelo tremor exagerado, pela gagueira, ruborização facial, inesperada fuga, nervosismo ou ironia.
Se estes sinais vierem acompanhados de prévias ou concomitantes informações confiáveis e precisas que liguem o abordado à ocorrência imediata de algum crime, estar-se-ia diante de um caso de fundada suspeita, autorizativa de maior rigor e cautela de procedimento, podendo o agente público proceder à revista pessoal, inclusive no interior do veículo ocupado pelo suspeito, independentemente de existência de mandado de busca e apreensão, expedido pela autoridade judiciária competente, à luz do que dispõe o artigo 244 do Código de Processo Penal.
Mas, se os sinais reveladores de suspeição estiverem desconectados daquelas informações indicativas de ocorrência delitiva, a hipótese vertente será a de simples suspeita, inibidora até mesmo de revista pessoal.
O princípio da legalidade da atividade jurídica do Estado, inserta no artigo 37 da Constituição Federal, exige que o ato público esteja previsto em lei. Diversamente, o princípio da legalidade, disposto para a sociedade, inverte a exigência, concluindo que todos podem fazer o que quiserem, desde que não haja proibição normativa, de acordo com a exegese do artigo 5º, II, da Magna Carta.
Desse modo, o fundamento legal da abordagem policial está previsto no artigo 89, I, da Lei 9503/97, regra esta sustentada pela supremacia do interesse público sobre o particular.
Assim, a resistência ou desobediência do investigando à ordem legal poderá constituir crime. Os excessos praticados pelos policiais, no curso investigativo de abordagem, podem caracterizar abuso de autoridade, em sede criminal, pelo artigo 4 °, alíneas ‘b’ e ‘h’ da Lei 4898/65 e, na esfera administrativa, excesso de poder, como infração disciplinar, para policiais civis do Distrito Federal e policiais federais, nos termos do artigo 43, LXIII, e 47 da Lei 4878/65.
É oportuna a lembrança de que, diante de simples suspeita na abordagem, se exige do agente cortesia e prudência e se se tratar de fundada suspeita, além da cortesia e prudência pede-se dosada energia.
Se a legalidade da abordagem satisfaz o princípio constitucional do art. 37, da nossa Carta Política, que se reporta ao art. 89, I, da Lei 9503/97, precisaremos identificar a validade deste ato pelo enfoque das suas condições, para conjugá-lo ao espírito político da segurança pública.
No que concerne saber se a abordagem policial possui a característica de poder discricionário ou vinculado, emergem, com propriedade, as ponderações de Celso Antônio Bandeira de Mello¹:
‘Costuma-se afirmar que o poder de polícia é atividade discricionária. Obviamente, tomada a expressão em seu sentido amplo, isto é, abrangendo as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade em proveito do bem-estar coletivo, a assertiva é válida, desde que se considere a ação do legislativo como gozando de tal atributo. Ocorre que se pretende caracterizar como discricionário o próprio poder de polícia administrativa. A afirmativa deixa, então, de ter procedência. ’ (grifo nosso).
A abordagem, considerada no corpo genérico da atividade pública, insere-se dentre os atos de polícia administrativa de segurança, cujo entendimento é pacífico.
A decisão de comando para programar a atividade tática, na forma de barreira policial, sob o crivo do direito, é simples procedimento regulamentar ao princípio constitucional destinado à preservação da ordem pública. Não constituindo esta decisão qualquer direito, não o modificando nem o extinguindo, torna-se um indiferente jurídico ou simplesmente ato material de polícia.
A abordagem, por seu turno e pelo fato de restringir direito de locomoção, ainda que momentaneamente, é ato de polícia na sua substância e, como tal, quando praticado por agente público, torna-se espécie dos atos administrativos, carecedor, portanto daquelas condições que o fazem juridicamente válido: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Deste modo, conclui-se que o ato de abordagem há de fundar-se em motivo, para que ele não se torne arbitrário, como ocorre na linguagem policial desavisada: “abordagem seletiva ou abordagem por amostragem”.
1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.Malheiros Editores, 11 ª Ed.: 02-1999, p.566 .
Sendo a abordagem, pois, um procedimento de ordem administrativa, ainda que de natureza especialíssima, a reclamar um motivo para a sua existência legal, resta-nos classificá-la, em maior profundidade, se se trata de poder discricionário ou vinculado. Sabe-se – e o Direito Administrativo bem o informa – que o chamado ato discricionário envolve mérito, na conjugação simultânea da conveniência e oportunidade e encerra, por isso mesmo, um poder bem maior do que os atos vinculados. Em conseqüência, a discricionariedade é largamente utilizada pela Administração Pública em autorizações e, como tal, possuidora de essência precária ou provisória, na constituição de certas prerrogativas individuais, a exemplo da concessão de porte de arma.
Ao revés, quando o poder público se utiliza da ação discricionária para retirar ou suprimir direitos pessoais, o faz sempre acobertado de extrema cautela, consoante se observa nas expropriações, em que, previamente, indeniza o possuidor ou proprietário pelo real valor do seu bem, conforme determina o art. 5 º, XXIV, da CF.
Este procedimento policial de abordagem não se resume num poder seletivo, para escolher algumas pessoas, dentre os transeuntes , mas se processa como ato vinculado a um motivo legal subjacente, a fim de que se revista de caráter jurídico-científico e não como medida meramente arbitrária. Este motivo, ensejador de legalidade ao ato de abordagem, revela-se pela suspeita e esta suspeita deve decorrer, invariavelmente, de um comportamento anormal do transeunte. O comportamento anormal, a que nos referimos, deve explicitar alguma característica reveladora de marginalização, para fundamentar até mesmo ao transeunte, de modo que ele fique convencido desta discriminação positiva, para que a abordagem se constitua como algo juridicamente válido e legitimamente compreensível, uma vez que a marginalização deve ser erradicada do contexto social, não somente pelos órgãos de segurança pública, mas por todos os membros da comunidade, tudo em consonância com os nossos objetivos republicanos, insertos no art. 3º, III, da CF.
A discriminação desacompanhada de motivo legal, por evidente, além de odiosa, contraria um outro objetivo fundamental do Estado, de acordo com o estabelecido no art. 3º, IV, da CF., sem contar que a igualdade jurídico-social contida no ‘caput’ do art. 5º da CF, só poderá ser excepcionada por preceito também constitucional, como é a hipótese do que chamamos de comportamento marginal, que incluímos no elenco das discriminações positivas.
UNIDADE III
DO FATO DE ABORDAGEM:
A abordagem policial como foi refletida, sob apreciação filosófica e jurídica, parece-nos indicar atividade perfeitamente previsível. Bastaria a predisposição do agente de segurança ou a determinação de comando estatal para que o trabalho tático fosse coroado de pleno êxito.
A prática policial evidencia que nem tudo ocorre da forma planejada. O descompasso entre a realidade operacional e a ensinança formativa dos policiais, as incertezas do agente diante de casuísmos surpreendentes, as frustrações geradas pelos públicos e humilhantes desmandos, na cadeia hierárquica e a súbita morte de colega, no palco das operações de rua, por simples negligência na abordagem ou despreparo técnico, conducente de insegurança laborativa, são variáveis indicativas tanto de um prévio conhecimento tático operacional, dissociado da ideal formação policial, quanto da incorporação jurídica, que não forneça ao agente de segurança a indispensável versatilidade para articular-se com desenvoltura, nos limites da sua competência. Diante da incerteza, o policial que está mais circunscrito a um não fazer, incorpora, até por comodidade, que é melhor pecar por omissão do que por excesso.
Os casuísmos, por serem mais freqüentes neste tipo de atividade policial, tomam viso mais de regra do que de exceção.
O mais comum deles é aquele em que o policial ao solicitar documento de identificação do transeunte, encontra recusa em seu fornecimento.
Cabem aqui certas indagações.
Terá a solicitação de documentos identificadores o necessário respaldo legal? Quais as conseqüências procedimentais pela recusa em fornecê-los? E se o transeunte prestar falsas informações sobre a sua identidade?
Estas e tantas outras perguntas devem ser respondidas com pronto fundamento legal, principalmente pelo agente do Estado, eis que dele se espera conhecimento técnico específico alusivo à sua profissão, firmeza em suas ações e, principalmente, cortesia.
Aliás, só os fracos e inseguros são grosseiros e violentos. Quando falta ao policial despreparado argumento para convencer o cidadão, vence ele pela violência, para que não o veja aparentemente ultrajado perante seus companheiros, fato este que, diante da sociedade, representa o mais completo desprestígio para a classe. Desgraçadamente – e a expressão não é outra – esta situação é mais comum do que parece.
Respondamos às indagações!
Jorge Cesar de Assis², em sua feliz consideração, assim pondera :
‘Sempre se reconheceu, entretanto e, é tradicional em nosso direito a faculdade do agente policial exigir a exibição de documentos das pessoas.
O policial militar, cujo desempenho e ação sempre se executam sob comando e supervisão tendo por norte a disciplina e a hierarquia, somente irá exigir a identificação das pessoas quando as circunstâncias assim o exigirem.
Falamos por certo da blitz de trânsito, tão essencial na manutenção da ordem pública, cuja finalidade é imensa, indo desde a verificação da habilitação do motorista, princípios de segurança dos automóveis até a própria repressão aos ilícitos, notadamente o furto, tão em voga nos dias de hoje. ’
Mais adiante, assevera o mesmo autor:
‘Há de se conceder, desta forma, um certo elastério na atividade policial preventiva que, naturalmente, não deve exceder os limites da legalidade. Desta forma, quando instados a apresentar documentos pela autoridade policial, as pessoas têm o dever de assim procederem, sob pena de ocorrência, pelo menos em tese, das infrações do art.307 do Código Penal ou ainda do art. 68 da Lei de Contravenções Penais. ’
Prosseguindo, cita Álvaro Lazzarini, Desembargador do TJSP, que, diante da recusa à apresentação de documentos, assim aconselha:
‘Nesse caso só resta conduzir o transeunte à Delegacia de Polícia competente, com atribuições na área, pois nela haverá possibilidade de, adequadamente, dirimir a dúvida que se instaure ou, caso, saber da razão da recusa. Lembre-se que, em tese, poderá estar ocorrendo flagrância na contravenção do art. 68 da Lei de Contravenções Penais ou dos delitos dos arts. 307 e 308 do Código Penal, estando, por isso mesmo, os agentes policiais (autoridades e subalternos) obrigados à aludida condução, diante da norma expressa contida no art. 301 do Código de Processo Penal.’
² Assis, Jorge Cesar de. Lições de Direito para a Atividade Policial Militar. 5ª ed., 2ª tir./ Curitiba: Juruá, 2003. p. 70 e 72.
Reconhecendo a elevada visão da Ciência Jurídica, com que se articula Jorge C. de Assis e reverenciando a qualidade técnica dos trabalhos publicados do Desembargador Lazzarini, deles ousamos divergir, neste particular da obrigatoriedade de apresentação de documentos, conforme justificamos.
Primeiramente, é bom que se esclareça : quem detém poder não manda, solicita, em nome da fidalguia, como deve servir de exemplo toda pessoa jurídica de direito público. Não que vá o Estado curvar-se, em nome do interesse coletivo, aos caprichos individuais, porém, se houver recusa à solicitação para que o transeunte se identifique, esta solicitação deve convolar-se automaticamente em mando. A razão de assim ser atende, em princípio, ao ser humano civilizado, para, depois, impor-se ao bárbaro ou insano existente em nossa sociedade.
Depois, é oportuno que se diga, alguns documentos são de porte obrigatório, como obrigatório também é a sua apresentação ao agente que os solicita, como é a hipótese da carteira nacional de habilitação, em original, quando o transeunte estiver à direção de veículo automotor, por força do que dispõe o art. 159, § 1º e 5º, com as conseqüências do art. 162, I, ambos da Lei 9503/97, cuja inexistência constitui crime de mera conduta previsto nesta mesma Lei, em seu art. 309, embora de menor potencial ofensivo, além de ser causa de aumento de pena, no caso de homicídio culposo, nos termos do art. 302, parágrafo único, I, do Código de Trânsito Brasileiro. Entretanto, é de se observar que a simples falta imediata da apresentação da carteira nacional de habilitação, quando exigida pelo agente público, enseja somente multa e apreensão do veículo, sanções meramente administrativas e não infração de natureza penal, desautorizando-se a condução do infrator à Delegacia Policial, porque embora não a tenha trazido consigo, o motorista é habilitado. O que se pune criminalmente é, repetimos a inexistência da CNT. O argumento de que o descumprimento à ordem dada poderia ensejar crime de desobediência não prospera, diante da previsão sancionadora em sede administrativa, consoante jurisprudência específica: TACrSP, RT 516/345 e TJSP 534/327, mesmo porque o condutor de veículo não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, assistindo-lhe apenas a faculdade de cooperar, conforme entendimento dos tribunais, TACrSP, julgados 71/292, citados por Celso e Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Júnior³.
³ Delmanto, Celso. Código Penal Comentado/ Celso Delmanto, Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Júnior - 4ª ed. -Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
Bem assim, também não é jurídica a sujeição, de quem não está dirigindo veículo, para que apresente documento de identificação. A obrigatoriedade é a de identificar-se, fornecendo dados ou indicações concernentes à própria identidade, na dicção do art. 68 da Lei das Contravenções Penais. O que não pode é o abordado recusar-se a, pelo menos, declinar o seu nome e qualificação, para imediata verificação.
A antiga prisão para averiguação, que existia anteriormente à Constituição dita cidadã, era instrumento necessário de controle da segurança pública, que detinha o Estado e que lhe foi subtraída, sem maiores reflexões acerca da sua indispensabilidade, como instrumento garantidor da paz social.
Se os dados oralmente fornecidos pelo transeunte e reduzidos a termo pelo policial estiverem incorretos, cristaliza-se então a situação flagrancial delitiva, na redação do art 68, parágrafo único, da Lei das Contravenções Penais, abrindo-se o dever potestativo de conduzir compulsoriamente o infrator à Delegacia Policial, para a competente lavratura do Termo Circunstanciado, porque aí se trata de delito considerado de menor potencial ofensivo.
Não se afirme, por outro lado, que o fornecimento de informações incorretas sobre o próprio transeunte implicaria crime de falsa identidade, pois faltaria o elemento subjetivo do tipo: para obter vantagem ou para causar dano a outra pessoa, pelo que se deduz da inteligência do art. 307 do Código Penal vigente, em face da desobrigação de auto-incriminação, também.
Finalmente, há de se considerar que nenhuma outra profissão oferece tantas incertezas de sobrevivência quanto a policial, Nenhuma outra profissão é tão incompreendida pela sociedade quanto a policial. Nenhuma outra profissão é mais coletivamente ultrajada, inclusive pelos meios de comunicação, do que a policial.
Todavia, nenhuma outra profissão é mais honrada do que a policial, pelo desprendimento dos seus agentes em arrostarem perigos na preservação da paz e ordem públicas; pelo poder criativo que denotam os agentes na proteção do cidadão que os desprestigia; pela abnegação e seriedade com que elevam o seu trabalho à categoria de missão; pela perseverança tenaz no combate ao crime, a despeito de o Estado ameaçar puni-los com maior rigor, pelas eventuais falhas de serviço, do que os delinqüentes, numa evidenciada inversão de valores, com fundamento em falsas, preconceituosas e sedimentadas premissas.

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