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I. Introdução. 
No mês de
    outubro de 2006, a Associação dos Magistrados do
    Paraná, AMAPAR, promoveu, conjuntamente com a Policia Militar do Paraná,
    Curso de Tiro e Direção Evasiva, o qual contou com a
    participação de vários colegas juizes. 
Na oportunidade, além das aulas
    práticas de tiro e direção evasiva, foram ministradas
    aulas teóricas, as quais abordavam, além da segurança no manuseio de arma e direção, alguns pontos da atividade policial. 
Em uma dessas aulas, o Capitão
    Vieira, integrante do Pelotão de Choque da Polícia
    Militar do Paraná, expôs a função policial em situações
    de risco e trouxe à baila discussão a respeito das
    conseqüências jurídico-penais do tiro de
    comprometimento (questões que serão mais bem esclarecidas no decorrer do
    trabalho). 
Alguns colegas dignaram-se a
    expor suas opiniões, mas todas, de uma forma geral,
    não se aprofundaram no estudo do tema, o que é plenamente justificável,
    haja vista que se tratava de apenas uma conversa,
    onde, sequer, houve tempo e possibilidade de estudos. 
De qualquer forma, o tema é
    interessante porque, nem magistrados, nem policiais,
    naquela oportunidade, evidentemente, conseguiram encontrar um ponto comum
    sobre as questões penais do tiro de comprometimento. 
Vale ressaltar: as situações de risco que exigem esta
    conduta do comando policial sempre ressoam na imprensa diante da gravidade
    em que são colocados o causador da crise, a vítima e os policiais
    envolvidos no gerenciamento da situação critica. 
     
     
II. Da situação critica. 
Antes da análise das
    conseqüências jurídicas do tiro de comprometimento é
    necessário traçar alguns esclarecimentos a respeito da situação fática em
    que esta manobra está inserida. 
A situação critica que interessa
    para o presente trabalho é aquela em que o causador da situação de crise toma reféns, colocando em risco a vida das
    vítimas. 
Nestas situações
    sempre se busca uma resolução aceitável. 
Para que uma solução seja
    considerada aceitável do ponto de vista da atividade
    policial ocidental, é necessário ter em mente que sua função primordial é
    preservar vidas, sejam elas da vítima, dos próprios policiais
    e, até mesmo, do causador do evento crítico e, em segundo plano, cumprir a Lei. 
Essa função primordial, somente
    a título de curiosidade, é exatamente contraposta ao
    que ocorre nas localidades em que são enfrentadas situações
    de terrorismo, como em Israel, onde a atividade
    policial visa cumprir a Lei e, após, preservar vidas. 
É que preservar a vida de uma vítima, ou até mesmo do causador do evento crítico,
    pode refletir na morte de muitas outras em razão das
    características próprias que envolvem o terrorismo, como os homens-bomba. 
Pois bem, a atividade policial
    ocidental, incluindo, evidentemente, a brasileira, busca a solução da crise
    através de meios não letais, os quais se iniciam pela
    negociação. 
Uma vez constatada o insucesso
    dos meios não letais de solução da crise envolvendo
    reféns, a atividade policial poderá optar pela utilização do tiro de comprometimento, solução extrema e que, sem sobre de dúvida, ferirá bens jurídicos tutelados pelo direito. 
     
     
III. Do tiro de
    comprometimento. 
A partir deste ponto, resta
    definir-se o que vem a ser, exatamente, o tiro de
    comprometimento. 
O tiro de
    comprometimento equivale ao tiro de precisão ou sniper. 
O tiro de
    comprometimento, ou tiro de sniper, é uma das
    alternativas táticas que as organizações policiais
    dispõem para a resolução de situações
    críticas. 
Este tiro se constitui em um
    único disparo realizado por policial especialmente treinado para este fim,
    sob as ordens do comandante do teatro de operações.
    Objetiva a imobilização imediata do causador da crise: via de
    regra, significa sua morte instantânea. 
Neste contexto, diante da
    possibilidade iminente da ofensa ao bem jurídico tutelado (vida), é de se delinear quais as possibilidades possíveis de sua utilização e, a partir daí, definir quais as
    conseqüências jurídicas penais de cada uma delas. 
     
     
IV. Da lógica na análise do fato
    em sede de direito penal. 
Busca-se, através deste artigo,
    definir as conseqüências jurídico-penais do tiro de
    comprometimento. Para tanto, é necessário que se indique qual deve ser a
    lógica do raciocínio, ou o caminho que deve ser percorrido pelo intérprete
    do fato levado a conhecimento. 
Para tanto é necessário
    consignar a definição de crime. 
Em um conceito analítico
    descritivo, crime é toda conduta típica, antijurídica e culpável.
    (destaca-se a teoria defendida por Damásio de Jesus
    em que a culpabilidade não se enquadra na definição de
    crime, mas como pressuposto de aplicação da pena). 
E, a análise de
    qualquer fato deve ser realizada nesta ordem, por camadas, sem saltos. 
Ora, não há sentido discutir-se
    tipicidade uma vez observada a inexistência de
    conduta. 
Da mesma forma, uma vez
    verificada a existência de conduta, a qual,
    entretanto, não está individualizada em um tipo penal, não faz sentido
    averiguar se está permitida ou se é contrária à ordem jurídica e, menos
    ainda, se é ou não reprovável. 
Portanto, este é o caminho a ser
    percorrido na análise de toda situação em que se
    objetiva suas conseqüências penais: 
a) Verificação da existência de CONDUTA; 
b) se positiva, verificação de existência de TIPICIDADE; 
c) uma vez verificada a
    tipicidade, é de se buscar a ANTIJURIDICIDADE; 
d) por fim, a reprovabilidade ou
    CULPABILIDADE. 
Conduta pode ser definida como
    toda ação ou omissão humana, voluntária, conscientemente dirigida a uma
    dada finalidade. 
Tipicidade, por sua vez, é, na
    definição de Zaffaroni, o instrumento legal, logicamente
    necessário e de natureza predominantemente
    descritiva, que tem por função a individualização de
    condutas humanas penalmente relevantes porque penalmente proibidas, ou, em
    uma definição mais concisa, é o modelo legal de
    conduta proibida. 
Uma vez verificada a tipicidade,
    a antijuridicidade é presumida, isto quer dizer que, uma conduta típica é,
    presumivelmente, antijurídica, por que, em princípio, viola o ordenamento
    jurídico, salvo permissivo legal expresso, que pode ter origem não só no
    direito penal, mas em todo o ordenamento jurídico. 
A antijuridicidade é, assim, o
    conflito da conduta com o ordenamento jurídico. 
Como exemplo de
    causas que afastam a antijuridicidade, ou antinormatividade, tem-se a
    legítima defesa. 
Ultrapassada a verificação da
    antijuridicidade, chega-se à culpabilidade: reprovabilidade do injusto
    (conduta típica e antijurídica) ao autor da realização dessa conduta porque
    não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que
    agiu, que nela se motivasse. 
A culpabilidade possui três
    elementos, são eles, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude
    e a exigibilidade de conduta diversa (ou de acordo com o direito). 
É esse, portanto, o caminho
    teórico a ser percorrido por aquele que é incitado a interpretar um fato
    penalmente relevante. 
     
     
V. Das análises penais gerais do
    tiro do comprometimento. 
No presente item, serão
    indicadas algumas características gerais aplicáveis, em regra, para os
    casos de ocorrência do tiro de
    comprometimento. 
Situações especiais serão analisadas na
    seqüência. 
a. Da responsabilidade. 
A primeira pergunta que surge em
    relação a este aspecto é sobre de quem é a
    responsabilidade pelas conseqüências do disparo. Ou seja, quem,
    potencialmente, responderá pelo tiro de
    comprometimento. 
Diz o artigo 29, do Código
    Penal: 
Art. 29. Quem, de
    qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na
    medida de sua culpabilidade. 
Como está expresso, todo aquele
    que, de qualquer modo, concorre para o crime, incide
    nas penas a ele culminadas. 
Isso quer dizer que, todo aquele
    que influenciou, ajudou, cooperou para o crime, poderá responder por ele. 
Mas, no caso do tiro de comprometimento, utilizado em ações policiais,
    a dúvida restringe-se à responsabilidade do atirador e do comandante do
    teatro de operações. Isso por que, em regra, o tiro
    somente é disparado depois de autorizado pelo
    supervisor da operação. 
Neste caso, as dúvidas que
    surgem são: se ambos respondem, e, em caso positivo, na condição de autor ou partícipe. 
Dispõe o artigo 13 do Código
    Penal: 
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
    quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
    resultado não teria ocorrido. 
Diante da redação do artigo 13, supracitado,
    poder-se-ia concluir, diga-se, de forma equivocada,
    que a imputação poderia recair somente na pessoa do atirador, pois foi ele
    quem deu causa ao resultado. 
Ocorre que a questão não é tão
    simples quanto parece. 
Prevalece, hoje, nas modernas
    doutrinas, o critério para indicação da autoria, o domínio do fato. 
Sob esse critério, é autor o
    que tem o domínio do fato. 
Este critério exige, sempre, uma
    análise do fato concreto para se estabelecer a autoria. 
E, possui o domínio do fato,
    aquele que possui o poder de determinar se, como,
    e quando o fato ocorrerá. 
Portanto, para que seja autor
    não é necessário que se efetue, propriamente, o disparo. 
Pode ocorrer, ainda, uma divisão
    de tarefas para a realização de
    um fato.É o que se chama de domínio funcional do
    fato. 
Por esta teoria, cada qual
    possui uma tarefa, possuindo pleno domínio sobre ela, de
    modo que, somando-se todas as tarefas, se tem o todo: o fato imponível. 
A fim de
    clarear as idéias expostas, tomemos o seguinte exemplo: 
Alguém resolve matar seu
    desafeto e, para tanto, contrata três outras pessoas. 
Não há dúvida de
    que o primeiro possui o domínio do fato, eis que é quem decidiu se e
    como o homicídio será praticado. 
Os outros três vão ao encalço do
    desafeto, encontrando-o. Dois deles subjugam a vítima, enquanto o terceiro
    profere-lhe a facada mortal. 
Da mesma forma, esses três
    possuíam uma função para o cometimento do todo: o homicídio. 
É impossível imaginar, nesta
    situação, que somente é autor do delito de homicídio
    aquele de desferiu a facada, enquanto que os demais,
    incluindo o desafeto, são meros partícipes do delito. 
Ora, cada qual contribuiu
    determinantemente para a ocorrência do fato impunível, de
    modo que haverá, sem sombra de dúvidas, co-autoria
    entre todos.  
Transportando este exemplo para
    o caso em análise: o tiro de comprometimento. Tem-se
    que o tiro é determinado, ou autorizado, pelo comandante do teatro de operações (o tiro, sem esta autorização, será analisado
    oportunamente). 
Portanto, é o comandante quem
    determina o se e o como o tiro será realizado, possuindo,
    assim, o domínio do fato. 
Já no que se refere ao atirador,
    é fácil notar que possui ele o domínio funcional do fato, pois praticará o
    verbo típico. 
Deste modo, tanto o atirador
    como o comandante do teatro de operações estarão
    sujeitos, via de regra, à eventual persecução penal. 
Assim, nem atirador, nem
    comandante estão, em princípio, isentos de
    responsabilidade. 
b. Da conduta e da tipicidade. 
Em uma análise geral das
    possibilidades de utilização do tiro de
    comprometimento, são possíveis observar algumas regras aplicáveis a todas
    as situações: 
No tiro de
    comprometimento haverá, necessariamente, conduta, isto é, ação humana,
    consciente, voluntariamente dirigida a uma finalidade. 
Portanto, em relação a este
    aspecto não existe dúvida. 
Também não existe dúvida quanto
    à tipicidade do verbo praticado, o qual vem previsto no artigo 121, do
    Código Penal: 
Art. 121. Matar alguém: 
Ressalta-se que, como já
    consignado acima, o tiro de comprometimento visa,
    sempre, a parada imediata do causador da situação crítica com um disparo
    dirigido ao centro do rosto, nas proximidades do nariz, a qual,
    irremediavelmente leva-lo-á a óbito. 
Em sendo assim, as análises que
    se seguirão já consideram a existência de conduta e
    tipicidade, salvo, evidentemente, ressalvas existentes. 
     
     
V. Da análise específica para
    cada caso possível. 
A partir de
    agora, analisar-se-á cada caso possível e suas conseqüências jurídicas
    penais. 
a. Primeira possibilidade:
    Disparo em momento adequado e que atinge exclusivamente o causador o evento
    crítico. 
Conforme já se destacou acima, o
    tiro de comprometimento, por ser uma atitude de risco extremo e sem possibilidade de
    conserto posterior, deve ser utilizado cercado das maiores cautelas
    possíveis. 
Pois bem, o primeiro caso em
    análise sugere o sucesso pleno do tiro de comprometimento.
    Isso quer dizer que a situação concreta a recomendava, eis que esgotada ou
    impossibilitada todas as possibilidades de negociação
    ou utilização de meios não letais. Ainda, o risco ao
    refém era iminente. 
Dada a ordem pelo comandante do
    teatro de operações, o policial responsável efetua o
    disparo, atingindo exclusivamente o causador do evento crítico. 
Não há nenhuma dúvida, como já
    se destacou, sobre a responsabilidade, nem sobre a existência de conduta e tipicidade. 
O que se deve discutir é a existência,
    em primeiro lugar, da antijuridicidade, e, caso positivo, da culpabilidade. 
O fato típico é,
    presumivelmente, antijurídico, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico,
    salvo expresso permissivo previsto em lei. 
Os permissivos penais vêm
    previstos no artigo 23, do Código Penal. São eles, a legitima defesa, o
    estado de necessidade, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
    direito. 
Na análise do caso em tela não
    serão analisados os critérios impertinentes. 
O que se observa, em verdade, é
    a ocorrência do permissivo da legitima defesa. 
É que ninguém é obrigado a
    suportar o injusto, podendo agir por não haver outra forma de
    preservar seus bens juridicamente tutelados. 
Note-se bem que o artigo 25, do
    Código Penal permite, de forma expressa, a utilização
    da legitima defesa como meio de afastar injusta
    agressão a direito próprio ou de outrem. Neste caso,
    é a chamada legítima defesa de terceiro. 
Cumpre destacar que a causa de justificação existirá mesmo que a agressão não esteja em
    curso, isto é: não é necessário que a agressão injusta seja atual, basta
    que seja iminente. 
Não há que se discutir se o meio
    foi moderado quando ele é único que se dispunha, naquele momento, para
    afastar a injusta agressão causada pelo agente crítico. 
Em sendo assim, no caso, neste
    momento debatido, haveria o afastamento da antijuridicidade e, portanto, de inexistência de delito, diante da
    legítima defesa de terceiro. 
b. Segunda possibilidade.
    Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, mas que
    atinge o refém. 
A segunda possibilidade em
    discussão é do disparo que, realizado em momento adequado e dirigido ao
    causador do evento crítico, atinge o refém, levando-o a óbito. 
Concluiu-se acima que o disparo
    em momento adequado e que atinge o causador do evento crítico estará
    albergado pela excludente da legitima defesa. 
Esta obserção é importante pelo
    seguinte: diz o artigo 73, do Código Penal, em sua primeira parte: 
Art. 73. Quando, por acidente ou
    erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés
    de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge
    pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
    atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código. 
Trata-se do erro de
    execução, ou, como se convencionou chamar, aberratio ictus. 
No erro de
    execução o agente visa atingir determinada pessoa, mas, por erro de pontaria, atinge pessoa diversa. 
Neste caso, o agente responde
    como se tivesse praticado o delito contra a pessoa visada, devendo-se
    considerar, pois, as condições ou qualidades desse terceiro quando da
    aferição dos elementos do crime e suas circunstâncias. 
Note-se o que está expressamente
    previsto no artigo 20, § 3º, do Código de Penal: 
§ 3º. O erro quanto à pessoa
    contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
    Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima,
    senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. 
O raciocínio do aberratio
    ictus é simples. Embora o disparo tenha atingido o refém, por uma
    ficção jurídica, determinada expressamente pela Lei, considera-se, para
    fins penais, como se o projétil tivesse acertado o causador do evento
    crítico, isto é, as condições e qualidades deste último é que serão
    consideradas. 
Pois bem, no mundo empírico, o
    atingido foi o refém, mas, no mundo jurídico-penal, o atingido foi,
    exatamente, o causador do evento crítico. 
A responsabilidade penal, assim
    como no primeiro caso, estará afastada pela legítima defesa. 
Cumpre ressaltar, para que não
    haja dúvidas, que esse raciocínio é aplicável, somente, no âmbito penal,
    objeto deste artigo. De modo que não afastará, em
    menos em tese, de forma alguma, eventual dever
    reparatório na esfera cível. 
c. Terceira possibilidade.
    Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico,
    atingindo-o, e, também, ao refém. 
A possibilidade em debate
    refere-se ao disparo que, realizado em momento oportuno, atinge, além do
    causador do evento crítico, a vítima. 
A possibilidade vem prevista no
    artigo 73, última parte, do Código Penal: 
Art. 73. [...] No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia
    ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código. 
A norma supra transcrita
    determina a aplicação do disposto no artigo 70 do Código Penal, que dispõe
    sobre o concurso formal. 
O concurso formal, em uma
    análise superficial, ocorre quando o agente, mediante uma ação ou omissão,
    comete dois ou mais crimes, os quais podem ou não ser idênticos. 
Têm-se, no caso, a ocorrência,
    em tese, de dois homicídios. 
Ocorre que, em relação ao
    causador do evento crítico, como já restou definido, o agente estará
    amparado pela legítima defesa. 
Mas, neste caso, em relação ao
    refém que também foi atingido (note-se bem que esta situação é distinta da
    anterior, onde somente o refém foi atingido), aplica-se, neste caso, o disposto
    no artigo 74 do Código de Penal: 
Art. 74. Fora dos casos do
    artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime,
    sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o
    fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
    pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código. 
A lei penal prevê, no artigo
    121, § 3º, a possibilidade de homicídio culposo. 
Ora, em relação ao causador do
    evento crítico havia, sem sombra de dúvidas, dolo. 
Já, em relação ao refém, não
    havia dolo, muito ao contrário, o que se pretendia era a preservação de sua vida. 
Poder-se-ia defender, no caso, o
    dolo eventual, onde o agente teria assumido o risco de
    atingir, com o disparo, também a vítima. 
Mas não é o caso, em razão das
    expressas disposições dos artigos 73 e 74, que foram transcritos. 
O que a norma prevê, ao
    contrário, é a punição do agente pelo crime culposo. 
Assim, haverá a responsabilidade
    tanto do atirador quando do comandante do teatro de
    operações, como já restou definido acima, pela ocorrência do crime de homicídio em sua modalidade culposa. 
d. Quarta possibilidade. Disparo
    em momento não adequado. 
Pode ocorrer o disparo do tiro de comprometimento em situação não adequada. 
Em primeiro lugar, deve ser
    destacado que não existe uma linha visível a delimitar o momento oportuno
    do momento inconveniente para o disparo, o qual deve ser analisado no caso
    concreto e de acordo com suas situações
    peculiares como, por exemplo, local da situação de
    crise, tempo disponível, dentre outras. 
Mas, em linhas gerais, o momento
    oportuno para o disparo é aquele depois de todos os
    métodos negociais ou não letais foram esgotados ou inviabilizados,
    somando-se ao atual o iminente perigo ao refém. 
Verificado, pois, o esgotamento
    dos métodos negociais e não letais e, ainda, o risco atual ou iminente à
    vida do refém nas situações já descritas. 
Ocorre que pode ocorrer, do
    Comandante do Teatro de Operações, determinação do
    disparo sem que esta situação esteja configurada. 
Neste caso, restará inviabilizada
    o reconhecimento da legitima defesa de terceiro e
    estar-se-á diante de um crime de
    homicídio, pelo qual responderão tanto o comandante quanto o autor do
    disparo. 
Vale lembrar que, mesmo diante
    da hierarquia militar, o menos graduado não está obrigado a cumprir ordem
    manifestamente ilegal. 
Entretanto, cumprindo a ordem
    manifestamente ilegal, responderá pelas suas conseqüências, assim como
    aquele que as ordenou. 
Pode ocorrer que este momento
    oportuno não exista absoluta falta de perigo à vida
    do refém, mas, mesmo assim, a situação seja putativa, com o reconhecimento
    da legítima defesa. 
Sobre o tema, observe-se o
    artigo 20, § 1º, do Código Penal: 
§ 1º. É isento de
    pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
    situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
    legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva
    de culpa e o fato é punível como crime culposo. 
Note-se que o erro nesta
    apreciação do momento oportuno pode ocorrer por engano plenamente
    justificável. 
Veja-se a seguinte situação: o
    causador do evento crítico ameaça, veementemente, desferir tiros contra o
    refém, restando inviabilizada a utilização de métodos
    não letais. 
Autorizado, o disparo é
    realizado com sucesso. 
Depois disso, ao analisar o
    local, percebe-se que o causador do evento crítico portava, em verdade, uma
    arma de brinquedo, com aparência muito assemelhada
    das armas reais. 
Ora, o erro é plenamente
    justificável, sendo que não era possível, antes do tiro de
    comprometimento, a verificação do real potencial ofensivo da arma portada
    pelo causador do evento crítico. 
Supunha o comandante, bem como o
    atirador, tratar-se de uma arma real, havendo, pois,
    risco iminente à pessoa do refém. 
Aplicar-se-ia, portanto, no
    presente caso, a primeira hipótese delineada, devidamente combinada com o
    contido no artigo 20, § 1º, do Código Penal, supra transcrito. 
Se a apreciação equivocada deste
    momento oportuno ocorrer por culpa, responderão, tanto o comandante como
    autor do disparo, pelo crime de homicídio culposo. 
A situação é curiosa, isso
    porque, embora o crime seja doloso, será a responsabilização como se
    culposo fosse. 
e. Quinta possibilidade. Do
    disparo não autorizado. 
O único que possui a
    prerrogativa de autorizar a realização do tiro de comprometimento é o comandante do teatro de
    operações e, uma vez autorizado, cumpre ao atirador buscar o momento
    oportuno. 
Pode acontecer do atirador, por
    iniciativa própria, entender que o momento é oportuno para a realização do
    disparo e, mesmo sem autorização do comandante do teatro de
    operações, realize-o. 
O que ocorre: não é dado ao
    atirador realizar esta apreciação, de modo que
    incorrerá, irremediavelmente, no crime de homicídio. 
É possível, até mesmo, que o
    atirador esteja com a razão, mas, naquele momento, não lhe é permitida esta
    análise, pouco importando, a partir daí, se possui ou não razão no que
    verificou. 
     
     
VI. Conclusão. 
Conforme se pode extrair das situações descritas acima, as possibilidades são várias,
    com diferentes desdobramentos possíveis.  
Podem ocorrer outras, não
    previstas neste trabalho, até porque não se pretende esgotar o tema, mas,
    em verdade, colocar alguns mínimos parâmetros norteadores da atividade
    policial. 
De qualquer forma, o tiro de comprometimento ofenderá, ainda que em situações
    que o justifiquem, o bem jurídico tutelado mais precioso e a razão da
    existência de todo o direito: a vida. 
Deste modo, sempre que possível,
    a vida deve ser preservada, mesmo que, para tanto, outros bens jurídicos de menor importância sejam sacrificados. 
Para preservar a vida vale, até
    mesmo, prolongar o sofrimento psicológico do refém, desde que sua
    integridade física, evidentemente, seja preservada. 
Em sendo assim, existirão situações em que a utilização do tiro de
    comprometimento será necessária, cabendo aos agentes da lei realizar uma
    rigorosa apreciação desses fatos, para que não haja uma banalização da
    vida, ou da morte, sendo que a ninguém é dado, pura e simplesmente, tolher
    a vida de seu semelhante. 
Portanto, as cautelas, nesse
    tipo de situação, ou em todas as situações
    de crise, devem ser as maiores possíveis, a fim de que se possa, nesta ordem, preservar vidas e cumprir a
    lei. 
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