quarta-feira, 21 de março de 2012

Tortura? Estado de Necessidade?

Elson Matos da Costa, Delegado Geral de Polícia, Coordenador/Professor do TAP - Técnicas de Ação Policial, Chefiou a DAS - Divisão Antissequestro de Minas Gerais e o DEOEsp - Departamento Estadual de Operações Especiais.

Na penúltima edição do Jornal Muito Mais – Dezembro de 2007 – o nosso colega Dr. Dirceu Bueno da Fonseca, do qual fui seu subordinado por duas vezes, e ao qual agradeço por tê-lo encontrado no meu início de carreira, sendo a primeira como Escrivão de Polícia em Guaxupé e a segunda já como Delegado em Ouro Preto quando ele era o Regional de Ponte Nova, nos brinda com um texto magnífico denominado “Tortura” e faz uma indagação ao final que nos faz pensar.

Faz ele uma digressão sobre o bem mais precioso que nós temos que é a vida e ainda diz: “Quem tortura fere um bem dos mais caros. Quem mata suprime o bem maior”. Ainda fala sobre a exclusão de ilicitude e trata da legitima defesa e estado de necessidade sendo que este último é assim definido pelo nosso Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. E é nesse momento que ele formula a pergunta que não quer calar. Preso um seqüestrador pela polícia e aquele sabe onde fica o cativeiro e o mesmo nega-se a tal esclarecimento, correndo a vítima risco de morrer. O que fazer mediante essa situação?

Neste momento ele encerra o seu texto e ficamos a pensar. E agora?

Durante longos 13 anos combati a frente da Divisão Antisseqüestro de Minas Gerais estes crimes ocorridos no âmbito de nosso estado e posso dizer depois de ter cumprido a minha missão frente a Polícia Civil de tê-lo feito com completo êxito, tanto no aspecto profissional quanto no pessoal. Quem nunca teve a oportunidade de “estourar” um cativeiro não pode nem imaginar a felicidade que toma conta dos policiais presentes àquela ação. Ao mesmo tempo, a vítima que estava segregada naquele local tem um misto de pânico e de alegria e alívio. Pânico por não saber o que está acontecendo quando da invasão pela polícia, as vezes com troca de tiros e outras simplesmente com a porta sendo estourada e um bando de homens armados aparecendo do nada. Naquele momento a vítima confusa pensa em tudo, principalmente que é uma quadrilha rival que veio matar os seus desafetos e ela pode estar incluída nessa. Apavorada, se encolhe, coloca as mãos na cabeça num instinto de sobrevivência. Alegria e alívio quando constata que a Polícia Civil chegou para salvá-la daquele inferno que parecia não ter mais fim.

Não há outra forma de combate em ambiente fechado em caso de cativeiro. Os policiais são treinados para essa situação. Pegar de surpresa quem estiver dentro da residência para que não haja troca de tiros e ninguém venha a ser ferido. Por isso a aparente truculência da entrada. Neste momento os policiais deverão ser o mais agressivo possível para intimidar qualquer tipo de reação e mesmo que a vítima venha a ser pega como refém e aquilo se transforme num gerenciamento de crise, o que iria prolongar o sofrimento dela ainda muito mais.

Minutos depois de ela ter sido libertada das correntes que a aprisionavam é feito um contato via telefone celular para sua residência e ela fala com seus familiares. É um momento único na vida de um policial. Quando olhamos em torno com os olhos marejados também vemos o mesmo sentimento tomando conta daqueles homens que não pareciam ter nenhuma emoção. Ao retornarmos para a residência da vítima sã e salva, a festa e o agradecimento de todos os amigos e familiares nos faz ver que todo o sacrifício durante dias e dias de investigação não foram em vão. Voltamos para o aconchego de nossas casas certo de termos cumprido com o nosso dever.

É justo protelarmos o sofrimento da vítima no cativeiro quando temos um seqüestrador preso e ele sabe onde o mesmo fica? Quem tem mais direitos humanos, a vítima acorrentada no cativeiro, fazendo as suas necessidades em uma lata, não tendo como se locomover, aprisionada dentro de um buraco, sem as mínimas condições de higiene por dias e dias ou a integridade física de um malsinado malfeitor que quer apenas se locupletar financeiramente não importando a maneira como isso irá se dar? O policial é quem terá que dar as respostas a estas perguntas no momento em que estiver com uma situação como essa nas mãos. Como devo proceder? Quem tem mais direito? Liberto o seqüestrador por ele não dizer o local do aprisionamento da vítima? Prolongo ainda mais o sofrimento da vítima?

Não temos resposta pronta para essa situação. Por isto a vida policial é muito mais empolgante que qualquer outra profissão. O nível de adrenalina numa situação como essa chega ao extremo. E você policial tem que continuar raciocinando, pensando e verificará qual é a melhor saída para resolver esse impasse. Existem alguns doutrinadores que comungam de que nesta situação específica se o policial forçar o seqüestrador a dizer onde fica o cativeiro ele estaria acobertado pelo instituto do estado de necessidade já que neste momento os direitos e garantias fundamentais da vítima teriam um peso muito maior do que o do preso. Você decide.


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