I. Introdução.
No mês de
outubro de 2006, a Associação dos Magistrados do
Paraná, AMAPAR, promoveu, conjuntamente com a Policia Militar do Paraná,
Curso de Tiro e Direção Evasiva, o qual contou com a
participação de vários colegas juizes.
Na oportunidade, além das aulas
práticas de tiro e direção evasiva, foram ministradas
aulas teóricas, as quais abordavam, além da segurança no manuseio de arma e direção, alguns pontos da atividade policial.
Em uma dessas aulas, o Capitão
Vieira, integrante do Pelotão de Choque da Polícia
Militar do Paraná, expôs a função policial em situações
de risco e trouxe à baila discussão a respeito das
conseqüências jurídico-penais do tiro de
comprometimento (questões que serão mais bem esclarecidas no decorrer do
trabalho).
Alguns colegas dignaram-se a
expor suas opiniões, mas todas, de uma forma geral,
não se aprofundaram no estudo do tema, o que é plenamente justificável,
haja vista que se tratava de apenas uma conversa,
onde, sequer, houve tempo e possibilidade de estudos.
De qualquer forma, o tema é
interessante porque, nem magistrados, nem policiais,
naquela oportunidade, evidentemente, conseguiram encontrar um ponto comum
sobre as questões penais do tiro de comprometimento.
Vale ressaltar: as situações de risco que exigem esta
conduta do comando policial sempre ressoam na imprensa diante da gravidade
em que são colocados o causador da crise, a vítima e os policiais
envolvidos no gerenciamento da situação critica.
II. Da situação critica.
Antes da análise das
conseqüências jurídicas do tiro de comprometimento é
necessário traçar alguns esclarecimentos a respeito da situação fática em
que esta manobra está inserida.
A situação critica que interessa
para o presente trabalho é aquela em que o causador da situação de crise toma reféns, colocando em risco a vida das
vítimas.
Nestas situações
sempre se busca uma resolução aceitável.
Para que uma solução seja
considerada aceitável do ponto de vista da atividade
policial ocidental, é necessário ter em mente que sua função primordial é
preservar vidas, sejam elas da vítima, dos próprios policiais
e, até mesmo, do causador do evento crítico e, em segundo plano, cumprir a Lei.
Essa função primordial, somente
a título de curiosidade, é exatamente contraposta ao
que ocorre nas localidades em que são enfrentadas situações
de terrorismo, como em Israel, onde a atividade
policial visa cumprir a Lei e, após, preservar vidas.
É que preservar a vida de uma vítima, ou até mesmo do causador do evento crítico,
pode refletir na morte de muitas outras em razão das
características próprias que envolvem o terrorismo, como os homens-bomba.
Pois bem, a atividade policial
ocidental, incluindo, evidentemente, a brasileira, busca a solução da crise
através de meios não letais, os quais se iniciam pela
negociação.
Uma vez constatada o insucesso
dos meios não letais de solução da crise envolvendo
reféns, a atividade policial poderá optar pela utilização do tiro de comprometimento, solução extrema e que, sem sobre de dúvida, ferirá bens jurídicos tutelados pelo direito.
III. Do tiro de
comprometimento.
A partir deste ponto, resta
definir-se o que vem a ser, exatamente, o tiro de
comprometimento.
O tiro de
comprometimento equivale ao tiro de precisão ou sniper.
O tiro de
comprometimento, ou tiro de sniper, é uma das
alternativas táticas que as organizações policiais
dispõem para a resolução de situações
críticas.
Este tiro se constitui em um
único disparo realizado por policial especialmente treinado para este fim,
sob as ordens do comandante do teatro de operações.
Objetiva a imobilização imediata do causador da crise: via de
regra, significa sua morte instantânea.
Neste contexto, diante da
possibilidade iminente da ofensa ao bem jurídico tutelado (vida), é de se delinear quais as possibilidades possíveis de sua utilização e, a partir daí, definir quais as
conseqüências jurídicas penais de cada uma delas.
IV. Da lógica na análise do fato
em sede de direito penal.
Busca-se, através deste artigo,
definir as conseqüências jurídico-penais do tiro de
comprometimento. Para tanto, é necessário que se indique qual deve ser a
lógica do raciocínio, ou o caminho que deve ser percorrido pelo intérprete
do fato levado a conhecimento.
Para tanto é necessário
consignar a definição de crime.
Em um conceito analítico
descritivo, crime é toda conduta típica, antijurídica e culpável.
(destaca-se a teoria defendida por Damásio de Jesus
em que a culpabilidade não se enquadra na definição de
crime, mas como pressuposto de aplicação da pena).
E, a análise de
qualquer fato deve ser realizada nesta ordem, por camadas, sem saltos.
Ora, não há sentido discutir-se
tipicidade uma vez observada a inexistência de
conduta.
Da mesma forma, uma vez
verificada a existência de conduta, a qual,
entretanto, não está individualizada em um tipo penal, não faz sentido
averiguar se está permitida ou se é contrária à ordem jurídica e, menos
ainda, se é ou não reprovável.
Portanto, este é o caminho a ser
percorrido na análise de toda situação em que se
objetiva suas conseqüências penais:
a) Verificação da existência de CONDUTA;
b) se positiva, verificação de existência de TIPICIDADE;
c) uma vez verificada a
tipicidade, é de se buscar a ANTIJURIDICIDADE;
d) por fim, a reprovabilidade ou
CULPABILIDADE.
Conduta pode ser definida como
toda ação ou omissão humana, voluntária, conscientemente dirigida a uma
dada finalidade.
Tipicidade, por sua vez, é, na
definição de Zaffaroni, o instrumento legal, logicamente
necessário e de natureza predominantemente
descritiva, que tem por função a individualização de
condutas humanas penalmente relevantes porque penalmente proibidas, ou, em
uma definição mais concisa, é o modelo legal de
conduta proibida.
Uma vez verificada a tipicidade,
a antijuridicidade é presumida, isto quer dizer que, uma conduta típica é,
presumivelmente, antijurídica, por que, em princípio, viola o ordenamento
jurídico, salvo permissivo legal expresso, que pode ter origem não só no
direito penal, mas em todo o ordenamento jurídico.
A antijuridicidade é, assim, o
conflito da conduta com o ordenamento jurídico.
Como exemplo de
causas que afastam a antijuridicidade, ou antinormatividade, tem-se a
legítima defesa.
Ultrapassada a verificação da
antijuridicidade, chega-se à culpabilidade: reprovabilidade do injusto
(conduta típica e antijurídica) ao autor da realização dessa conduta porque
não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que
agiu, que nela se motivasse.
A culpabilidade possui três
elementos, são eles, a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude
e a exigibilidade de conduta diversa (ou de acordo com o direito).
É esse, portanto, o caminho
teórico a ser percorrido por aquele que é incitado a interpretar um fato
penalmente relevante.
V. Das análises penais gerais do
tiro do comprometimento.
No presente item, serão
indicadas algumas características gerais aplicáveis, em regra, para os
casos de ocorrência do tiro de
comprometimento.
Situações especiais serão analisadas na
seqüência.
a. Da responsabilidade.
A primeira pergunta que surge em
relação a este aspecto é sobre de quem é a
responsabilidade pelas conseqüências do disparo. Ou seja, quem,
potencialmente, responderá pelo tiro de
comprometimento.
Diz o artigo 29, do Código
Penal:
Art. 29. Quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na
medida de sua culpabilidade.
Como está expresso, todo aquele
que, de qualquer modo, concorre para o crime, incide
nas penas a ele culminadas.
Isso quer dizer que, todo aquele
que influenciou, ajudou, cooperou para o crime, poderá responder por ele.
Mas, no caso do tiro de comprometimento, utilizado em ações policiais,
a dúvida restringe-se à responsabilidade do atirador e do comandante do
teatro de operações. Isso por que, em regra, o tiro
somente é disparado depois de autorizado pelo
supervisor da operação.
Neste caso, as dúvidas que
surgem são: se ambos respondem, e, em caso positivo, na condição de autor ou partícipe.
Dispõe o artigo 13 do Código
Penal:
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido.
Diante da redação do artigo 13, supracitado,
poder-se-ia concluir, diga-se, de forma equivocada,
que a imputação poderia recair somente na pessoa do atirador, pois foi ele
quem deu causa ao resultado.
Ocorre que a questão não é tão
simples quanto parece.
Prevalece, hoje, nas modernas
doutrinas, o critério para indicação da autoria, o domínio do fato.
Sob esse critério, é autor o
que tem o domínio do fato.
Este critério exige, sempre, uma
análise do fato concreto para se estabelecer a autoria.
E, possui o domínio do fato,
aquele que possui o poder de determinar se, como,
e quando o fato ocorrerá.
Portanto, para que seja autor
não é necessário que se efetue, propriamente, o disparo.
Pode ocorrer, ainda, uma divisão
de tarefas para a realização de
um fato.É o que se chama de domínio funcional do
fato.
Por esta teoria, cada qual
possui uma tarefa, possuindo pleno domínio sobre ela, de
modo que, somando-se todas as tarefas, se tem o todo: o fato imponível.
A fim de
clarear as idéias expostas, tomemos o seguinte exemplo:
Alguém resolve matar seu
desafeto e, para tanto, contrata três outras pessoas.
Não há dúvida de
que o primeiro possui o domínio do fato, eis que é quem decidiu se e
como o homicídio será praticado.
Os outros três vão ao encalço do
desafeto, encontrando-o. Dois deles subjugam a vítima, enquanto o terceiro
profere-lhe a facada mortal.
Da mesma forma, esses três
possuíam uma função para o cometimento do todo: o homicídio.
É impossível imaginar, nesta
situação, que somente é autor do delito de homicídio
aquele de desferiu a facada, enquanto que os demais,
incluindo o desafeto, são meros partícipes do delito.
Ora, cada qual contribuiu
determinantemente para a ocorrência do fato impunível, de
modo que haverá, sem sombra de dúvidas, co-autoria
entre todos.
Transportando este exemplo para
o caso em análise: o tiro de comprometimento. Tem-se
que o tiro é determinado, ou autorizado, pelo comandante do teatro de operações (o tiro, sem esta autorização, será analisado
oportunamente).
Portanto, é o comandante quem
determina o se e o como o tiro será realizado, possuindo,
assim, o domínio do fato.
Já no que se refere ao atirador,
é fácil notar que possui ele o domínio funcional do fato, pois praticará o
verbo típico.
Deste modo, tanto o atirador
como o comandante do teatro de operações estarão
sujeitos, via de regra, à eventual persecução penal.
Assim, nem atirador, nem
comandante estão, em princípio, isentos de
responsabilidade.
b. Da conduta e da tipicidade.
Em uma análise geral das
possibilidades de utilização do tiro de
comprometimento, são possíveis observar algumas regras aplicáveis a todas
as situações:
No tiro de
comprometimento haverá, necessariamente, conduta, isto é, ação humana,
consciente, voluntariamente dirigida a uma finalidade.
Portanto, em relação a este
aspecto não existe dúvida.
Também não existe dúvida quanto
à tipicidade do verbo praticado, o qual vem previsto no artigo 121, do
Código Penal:
Art. 121. Matar alguém:
Ressalta-se que, como já
consignado acima, o tiro de comprometimento visa,
sempre, a parada imediata do causador da situação crítica com um disparo
dirigido ao centro do rosto, nas proximidades do nariz, a qual,
irremediavelmente leva-lo-á a óbito.
Em sendo assim, as análises que
se seguirão já consideram a existência de conduta e
tipicidade, salvo, evidentemente, ressalvas existentes.
V. Da análise específica para
cada caso possível.
A partir de
agora, analisar-se-á cada caso possível e suas conseqüências jurídicas
penais.
a. Primeira possibilidade:
Disparo em momento adequado e que atinge exclusivamente o causador o evento
crítico.
Conforme já se destacou acima, o
tiro de comprometimento, por ser uma atitude de risco extremo e sem possibilidade de
conserto posterior, deve ser utilizado cercado das maiores cautelas
possíveis.
Pois bem, o primeiro caso em
análise sugere o sucesso pleno do tiro de comprometimento.
Isso quer dizer que a situação concreta a recomendava, eis que esgotada ou
impossibilitada todas as possibilidades de negociação
ou utilização de meios não letais. Ainda, o risco ao
refém era iminente.
Dada a ordem pelo comandante do
teatro de operações, o policial responsável efetua o
disparo, atingindo exclusivamente o causador do evento crítico.
Não há nenhuma dúvida, como já
se destacou, sobre a responsabilidade, nem sobre a existência de conduta e tipicidade.
O que se deve discutir é a existência,
em primeiro lugar, da antijuridicidade, e, caso positivo, da culpabilidade.
O fato típico é,
presumivelmente, antijurídico, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico,
salvo expresso permissivo previsto em lei.
Os permissivos penais vêm
previstos no artigo 23, do Código Penal. São eles, a legitima defesa, o
estado de necessidade, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito.
Na análise do caso em tela não
serão analisados os critérios impertinentes.
O que se observa, em verdade, é
a ocorrência do permissivo da legitima defesa.
É que ninguém é obrigado a
suportar o injusto, podendo agir por não haver outra forma de
preservar seus bens juridicamente tutelados.
Note-se bem que o artigo 25, do
Código Penal permite, de forma expressa, a utilização
da legitima defesa como meio de afastar injusta
agressão a direito próprio ou de outrem. Neste caso,
é a chamada legítima defesa de terceiro.
Cumpre destacar que a causa de justificação existirá mesmo que a agressão não esteja em
curso, isto é: não é necessário que a agressão injusta seja atual, basta
que seja iminente.
Não há que se discutir se o meio
foi moderado quando ele é único que se dispunha, naquele momento, para
afastar a injusta agressão causada pelo agente crítico.
Em sendo assim, no caso, neste
momento debatido, haveria o afastamento da antijuridicidade e, portanto, de inexistência de delito, diante da
legítima defesa de terceiro.
b. Segunda possibilidade.
Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico, mas que
atinge o refém.
A segunda possibilidade em
discussão é do disparo que, realizado em momento adequado e dirigido ao
causador do evento crítico, atinge o refém, levando-o a óbito.
Concluiu-se acima que o disparo
em momento adequado e que atinge o causador do evento crítico estará
albergado pela excludente da legitima defesa.
Esta obserção é importante pelo
seguinte: diz o artigo 73, do Código Penal, em sua primeira parte:
Art. 73. Quando, por acidente ou
erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés
de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge
pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código.
Trata-se do erro de
execução, ou, como se convencionou chamar, aberratio ictus.
No erro de
execução o agente visa atingir determinada pessoa, mas, por erro de pontaria, atinge pessoa diversa.
Neste caso, o agente responde
como se tivesse praticado o delito contra a pessoa visada, devendo-se
considerar, pois, as condições ou qualidades desse terceiro quando da
aferição dos elementos do crime e suas circunstâncias.
Note-se o que está expressamente
previsto no artigo 20, § 3º, do Código de Penal:
§ 3º. O erro quanto à pessoa
contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima,
senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
O raciocínio do aberratio
ictus é simples. Embora o disparo tenha atingido o refém, por uma
ficção jurídica, determinada expressamente pela Lei, considera-se, para
fins penais, como se o projétil tivesse acertado o causador do evento
crítico, isto é, as condições e qualidades deste último é que serão
consideradas.
Pois bem, no mundo empírico, o
atingido foi o refém, mas, no mundo jurídico-penal, o atingido foi,
exatamente, o causador do evento crítico.
A responsabilidade penal, assim
como no primeiro caso, estará afastada pela legítima defesa.
Cumpre ressaltar, para que não
haja dúvidas, que esse raciocínio é aplicável, somente, no âmbito penal,
objeto deste artigo. De modo que não afastará, em
menos em tese, de forma alguma, eventual dever
reparatório na esfera cível.
c. Terceira possibilidade.
Disparo em momento adequado dirigido ao causador o evento crítico,
atingindo-o, e, também, ao refém.
A possibilidade em debate
refere-se ao disparo que, realizado em momento oportuno, atinge, além do
causador do evento crítico, a vítima.
A possibilidade vem prevista no
artigo 73, última parte, do Código Penal:
Art. 73. [...] No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia
ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.
A norma supra transcrita
determina a aplicação do disposto no artigo 70 do Código Penal, que dispõe
sobre o concurso formal.
O concurso formal, em uma
análise superficial, ocorre quando o agente, mediante uma ação ou omissão,
comete dois ou mais crimes, os quais podem ou não ser idênticos.
Têm-se, no caso, a ocorrência,
em tese, de dois homicídios.
Ocorre que, em relação ao
causador do evento crítico, como já restou definido, o agente estará
amparado pela legítima defesa.
Mas, neste caso, em relação ao
refém que também foi atingido (note-se bem que esta situação é distinta da
anterior, onde somente o refém foi atingido), aplica-se, neste caso, o disposto
no artigo 74 do Código de Penal:
Art. 74. Fora dos casos do
artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime,
sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o
fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.
A lei penal prevê, no artigo
121, § 3º, a possibilidade de homicídio culposo.
Ora, em relação ao causador do
evento crítico havia, sem sombra de dúvidas, dolo.
Já, em relação ao refém, não
havia dolo, muito ao contrário, o que se pretendia era a preservação de sua vida.
Poder-se-ia defender, no caso, o
dolo eventual, onde o agente teria assumido o risco de
atingir, com o disparo, também a vítima.
Mas não é o caso, em razão das
expressas disposições dos artigos 73 e 74, que foram transcritos.
O que a norma prevê, ao
contrário, é a punição do agente pelo crime culposo.
Assim, haverá a responsabilidade
tanto do atirador quando do comandante do teatro de
operações, como já restou definido acima, pela ocorrência do crime de homicídio em sua modalidade culposa.
d. Quarta possibilidade. Disparo
em momento não adequado.
Pode ocorrer o disparo do tiro de comprometimento em situação não adequada.
Em primeiro lugar, deve ser
destacado que não existe uma linha visível a delimitar o momento oportuno
do momento inconveniente para o disparo, o qual deve ser analisado no caso
concreto e de acordo com suas situações
peculiares como, por exemplo, local da situação de
crise, tempo disponível, dentre outras.
Mas, em linhas gerais, o momento
oportuno para o disparo é aquele depois de todos os
métodos negociais ou não letais foram esgotados ou inviabilizados,
somando-se ao atual o iminente perigo ao refém.
Verificado, pois, o esgotamento
dos métodos negociais e não letais e, ainda, o risco atual ou iminente à
vida do refém nas situações já descritas.
Ocorre que pode ocorrer, do
Comandante do Teatro de Operações, determinação do
disparo sem que esta situação esteja configurada.
Neste caso, restará inviabilizada
o reconhecimento da legitima defesa de terceiro e
estar-se-á diante de um crime de
homicídio, pelo qual responderão tanto o comandante quanto o autor do
disparo.
Vale lembrar que, mesmo diante
da hierarquia militar, o menos graduado não está obrigado a cumprir ordem
manifestamente ilegal.
Entretanto, cumprindo a ordem
manifestamente ilegal, responderá pelas suas conseqüências, assim como
aquele que as ordenou.
Pode ocorrer que este momento
oportuno não exista absoluta falta de perigo à vida
do refém, mas, mesmo assim, a situação seja putativa, com o reconhecimento
da legítima defesa.
Sobre o tema, observe-se o
artigo 20, § 1º, do Código Penal:
§ 1º. É isento de
pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva
de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Note-se que o erro nesta
apreciação do momento oportuno pode ocorrer por engano plenamente
justificável.
Veja-se a seguinte situação: o
causador do evento crítico ameaça, veementemente, desferir tiros contra o
refém, restando inviabilizada a utilização de métodos
não letais.
Autorizado, o disparo é
realizado com sucesso.
Depois disso, ao analisar o
local, percebe-se que o causador do evento crítico portava, em verdade, uma
arma de brinquedo, com aparência muito assemelhada
das armas reais.
Ora, o erro é plenamente
justificável, sendo que não era possível, antes do tiro de
comprometimento, a verificação do real potencial ofensivo da arma portada
pelo causador do evento crítico.
Supunha o comandante, bem como o
atirador, tratar-se de uma arma real, havendo, pois,
risco iminente à pessoa do refém.
Aplicar-se-ia, portanto, no
presente caso, a primeira hipótese delineada, devidamente combinada com o
contido no artigo 20, § 1º, do Código Penal, supra transcrito.
Se a apreciação equivocada deste
momento oportuno ocorrer por culpa, responderão, tanto o comandante como
autor do disparo, pelo crime de homicídio culposo.
A situação é curiosa, isso
porque, embora o crime seja doloso, será a responsabilização como se
culposo fosse.
e. Quinta possibilidade. Do
disparo não autorizado.
O único que possui a
prerrogativa de autorizar a realização do tiro de comprometimento é o comandante do teatro de
operações e, uma vez autorizado, cumpre ao atirador buscar o momento
oportuno.
Pode acontecer do atirador, por
iniciativa própria, entender que o momento é oportuno para a realização do
disparo e, mesmo sem autorização do comandante do teatro de
operações, realize-o.
O que ocorre: não é dado ao
atirador realizar esta apreciação, de modo que
incorrerá, irremediavelmente, no crime de homicídio.
É possível, até mesmo, que o
atirador esteja com a razão, mas, naquele momento, não lhe é permitida esta
análise, pouco importando, a partir daí, se possui ou não razão no que
verificou.
VI. Conclusão.
Conforme se pode extrair das situações descritas acima, as possibilidades são várias,
com diferentes desdobramentos possíveis.
Podem ocorrer outras, não
previstas neste trabalho, até porque não se pretende esgotar o tema, mas,
em verdade, colocar alguns mínimos parâmetros norteadores da atividade
policial.
De qualquer forma, o tiro de comprometimento ofenderá, ainda que em situações
que o justifiquem, o bem jurídico tutelado mais precioso e a razão da
existência de todo o direito: a vida.
Deste modo, sempre que possível,
a vida deve ser preservada, mesmo que, para tanto, outros bens jurídicos de menor importância sejam sacrificados.
Para preservar a vida vale, até
mesmo, prolongar o sofrimento psicológico do refém, desde que sua
integridade física, evidentemente, seja preservada.
Em sendo assim, existirão situações em que a utilização do tiro de
comprometimento será necessária, cabendo aos agentes da lei realizar uma
rigorosa apreciação desses fatos, para que não haja uma banalização da
vida, ou da morte, sendo que a ninguém é dado, pura e simplesmente, tolher
a vida de seu semelhante.
Portanto, as cautelas, nesse
tipo de situação, ou em todas as situações
de crise, devem ser as maiores possíveis, a fim de que se possa, nesta ordem, preservar vidas e cumprir a
lei.
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